Pobres gordos. Numa cultura que elevou a saúde, a juventude e a beleza
a patamares verdadeiramente insanos, a espécie já não tinha vida
fácil. Mas uma coisa é a estética; outra, bem mais grave, são os
imperativos da ética. Agora, a ciência resolveu dar uma ajuda para
empurrar os gordos rumo ao abismo moral.
Segundo leio na imprensa do dia, a London School of Hygiene and
Tropical Medicine estabeleceu uma ligação séria, e alarmante, entre os
gordos e o inevitável aquecimento global. Dizem os cientistas que os
primeiros são diretamente responsáveis pelo segundo. Como?
Para começar, porque comem. Muito. Demais. Diariamente, um gordo
consome 1.680 calorias só para sair da cama (sem grua); e mais 1.280
só para efetuar as tarefas mais banais. É incomparavelmente mais do
que uma pessoa decente, ou seja, com peso "normal". Resultado: a
energia dispendida para produzir cada vez mais comida contribui
decisivamente para o efeito de estufa (uns 20% do problema global). No
mundo, existem 400 milhões de gordos. Mas a Organização Mundial de
Saúde afirma que em 2015 existirão 700 milhões. Como será possível
alimentar a gula dessa gente toda sem arruinar definitivamente o
planeta?
O apocalipse não termina aqui. Porque os gordos não se limitam a
comer. Eles também andam por aí, transportados em carros ou aviões. E
o peso dos gordos exige quantidades crescentes de combustível.
Por outras palavras: os gordos arruinam o ambiente e põem a perigo a
sobrevivência da Humanidade. Mas não apenas o ambiente. Ao comerem
como não devem e ao pesarem o que não podem, os gordos contribuem para
outros problemas "menores", como a falta de alimentos no mundo e a
insuportável subida dos preços do barril de petróleo. Soluções?
Por enquanto, a ciência fala. Como falou no passado contra outras
classes de viciosos (os fumantes, por exemplo), que foram
progressivamente desumanizadas pelas sociedades higiênicas do
Ocidente.
Depois da ciência falar, e de estar criado o clima ideal para a
intolerância e para o preconceito, os políticos terão uma palavra
sobre o assunto, criminalizando certos comportamentos tidos por
"desviantes" ou "anti-sociais". Já está a suceder na Europa, onde se
discute seriamente se os hospitais públicos devem tratar pessoas que
fumam, comem em excesso ou não praticam exercício físico com
masoquismo diário. O raciocínio é exemplar: por que motivo os meus
impostos devem ser usados para tratar um fumante, um gordo ou um
sedentário?
Curiosamente, não parece passar pela cabeça dos zelotes que os
fumantes, os gordos e os sedentários também pagam impostos e, como é
lógico, esperam ser tratados pelas instituições que sustentam. Essa
evidência não passa pela cabeça dos zelotes porque os fumantes, os
gordos e os sedentários já perderam há muito o estatuto de cidadania
plena, habitando as catacumbas clandestinas da sociedade civilizada.
Eu, se fosse gordo, começava a temer pelo meu generoso corpinho. E,
entre a dieta ou a fuga, optava sensatamente pela dieta. Dá menos
trabalho e, francamente, a Terra agradece.
João Pereira Coutinho, 31, é colunista da Folha. Reuniu seus artigos
para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Ed. Quasi), publicado em
Portugal, onde vive. Escreve quinzenalmente, às segundas-feiras, para
a Folha Online.
E-mail: jpcoutinho.br@jpcoutinho.com
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/joaopereiracoutinho/ult2707u405314.shtml
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